segunda-feira, 25 de julho de 2011

Performance de Dança Teatro, dia 29 de Abril



Quadr(ados), desenvolvido por Bruno Amarante em articulação com os dançarinos com os quais trabalhou, assenta o seu espectáculo em três performances independentes. Usando a dança teatro como seu principal instrumento, mas também recorrendo a uma influência pictórica, o palco propõe uma série de limites (quadrados) dentro dos quais se possam exprimir certas sensações e anseios reprimidos pelo viver quotidiano mas que nele estão invariavelmente presentes.


Tenta-se criar um espaço aberto ao público onde aqueles que se expõem o fazem para permitir uma abordagem a temas comuns a todos. A partir de um trabalho que parte dos actores/dançarinos, desenvolve-se, para cada um, um tema especificamente escolhido por eles e que desenvolve no seio do seu grupo para aqueles que os assistem.

É em virtude disto que a primeira performance, aquela com maior duração e onde participam mais dançarinos, aproveita o tema proposto por Afonso Alves para retratar o (aparente?) paradoxo da evolução humana. Sujeito a um eterno retorno em que o progresso e a queda se confundem, dir-se-á que o homem comum tenta enquadrar-se num sistema de leis e de ideologias dentro dos quais a exploração do homem pelo homem e a guerra entre homens se justifica sem ser descortinado um qualquer sentido para isso. Mas, mesmo que não tome disso partido voluntário, está no entanto condenado a ter que sofrer os efeitos colaterais dessa repetição que, feita sob o desígnio da evolução, revela antes o paradoxo da inércia humana.

Foi Guernica o quadro que mais influenciou esta performance, que por sua vez tem o nome de Géneses, num contraste algo contraditório entre títulos. Mas, se as mãos que se lançam aos céus a pedir ajuda ou clemência o fazem quando as armas estão partidas e os possíveis heróis mortos, não poderá ser que esse fim trágico já estivesse na semente que tudo principiou?

Já a segunda performance, a solo, proposta pelo seu executor Jorge Silva, põe a nu um homem sozinho, e sempre sozinho, que, apesar de não encontrar uma outra pessoa com quem possa contactar, não deixa de ficar mais preocupado com a projecção da sua própria pessoa num outro plano. A consciência da sua própria morte parece de alguma forma colmatar-se naquela imagem, aparentemente inapagável. À omnipresença da imagem junta-se a efemeridade da sua própria vida, e os dois lados juntam-se necessariamente pois que um é a cópia do outro e o outro tolera que a imagem substitua o ser para perpetuar a forma humana. Esta Autopsicofotografia, assim é o nome desta segunda representação, inspirada não directamente por um simples quadro mas pelo actual fascínio pela projecção em tempo real, visa expor a fotografia contra a debilidade física. Estão as duas faces isoladas uma da outra? Seremos quem deixamos ficar?

A última interpretação chama-se Pièta, e tem como dançarina principal Adelaide Rodrigues, acompanhada por Margarida Sousa. Este terceiro quadro representado tem a sua inspiração primeira nos quadros e na vida de Frida Kahlo e retrata uma mulher na iminência de um aborto. Com a perda de integridade física e a criação de um corpo degenerado, ressalta a consciência da impotência da acção humana, agora sem o foco numa perspectiva de evolução ou de impossibilidade de perpetuação, como acontecera nas duas performances anteriores, mas na impotência do corpo e da liberdade de acção. É a beleza primitiva do corpo que se sujeita ela mesma à passagem por um parto doloroso, o qual resulta em morte e não na vida, como se o nascimento fosse o espelho da morte. Estar condenado a herdar um corpo que se sujeita aos mecanismos da vida, os quais são responsáveis pela destruição desse corpo, será pois a tormenta de uma incapacidade em se reter num único tempo. O nascimento de um filho morto é, por seu turno, marca sintomática de como também as gerações em que essa desesperança se transforma também não encontram um equilíbrio.

Com a exposição sequencial das três representações, será que estaremos então perante diferentes problemas, que ocupam portanto espaços diferentes do espectáculo? Ou será antes que existem diversas pontes e paralelos entre as diferentes histórias trágicas? Um fundo comum a todas as apresentações, que no entanto não se podem unificar numa única narrativa.


André Antunes

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